Vivemos em uma era de acesso irrestrito à informação – e, paradoxalmente, de um perigoso empobrecimento intelectual entre líderes. Essa é a provocação que trago, inspirada tanto pela minha vivência executiva quanto pelo Relatório de Riscos Globais de 2024, do Fórum Econômico Mundial.
Segundo o relatório, a desinformação desponta como o maior risco de curto prazo no planeta. A médio e longo prazo, esse quadro tende a se agravar, impulsionado por incertezas tecnológicas, pela desintermediação caótica da mídia tradicional e pelos efeitos ainda imprecisos da inteligência artificial.
Em um mundo onde a internet fabrica “tudólogos” com opiniões prontas em segundos, um estudo da IBM com mais de três mil CEOs globais (incluindo brasileiros) apontou uma contradição: apenas 23% disseram ser capazes de converter o volume de informação que acessam em decisões realmente estratégicas.
A sobrecarga de conteúdo, em vez de iluminar, tem obscurecido o discernimento. A produtividade virou fetiche, e o pensamento crítico, luxo.
A cultura da hiperexposição digital também contribui. Segundo a pesquisa Liderança Conectada, da Brunswick, 82% das pessoas esperam que CEOs tenham presença ativa nas redes sociais. Isso nos empurra para um ciclo de presença constante, onde ser acessível o tempo todo se tornou um novo padrão de desempenho – mesmo que à custa da profundidade de pensamento.
O imperativo de estar sempre disponível nos transforma em solucionadores de urgências, não em formuladores de estratégias duradouras. A energia dispendida para estar em evidência pode estar produzindo bons comunicadores digitais, mas fatalmente tem reduzido nossa habilidade de concentração no essencial.
Nesse ambiente, a leitura aprofundada, o cultivo do senso crítico, a dedicação às relações humanas, o tempo para reflexão e o desenvolvimento de repertório cultural – pilares essenciais da boa liderança – vão sendo substituídos por respostas rápidas, frases de efeito e uma espécie de preguiça intelectual generalizada.
A consequência é um tipo de liderança apática, passiva, imediatista, cada vez mais dependente de atalhos tecnológicos e menos conectada com o espírito coletivo.
PENSAMENTO CRÍTICO E INÉRCIA INTELECTUAL
Tenho observado que muitos tomadores de decisão seguem operando com base em consensos muitas vezes ultrapassados – econômicos, organizacionais, culturais – sem questionar suas premissas.
Isso cria um tipo de inércia disfarçada de maturidade: executivos experientes que, por receio de desagradar, divergir ou parecerem idealistas demais, vão minando o discernimento e acabam tomando decisões previsíveis, mornas e, em última instância, irrelevantes.
Um estudo da "Harvard Business Review" revelou que 67% dos executivos admitem evitar decisões mais ousadas por receio da reação do board ou da mídia.
É nesse ponto que reside o maior risco: a eclosão de uma elite intelectual e empresarial que se informa demais, mas compreende de menos. Que interage sem escutar, que decide com pouco contexto. Falamos muito, mas evitamos o diálogo.
A superficialidade está se tornando norma e vamos seguindo a manada. Troca-se o livro por um thread, a conversa por uma notificação, a análise por um post.
Aos poucos estamos atrofiando nossa capacidade de formular hipóteses, exercitar empatia, discutir ideias e sustentar visões com base em conhecimento estruturado.
A inteligência artificial, apesar de seu imenso potencial, amplia esse dilema. Em vez de complementar nossa inteligência com novas possibilidades, corremos o risco de substituí-la.
Consultamos a IA antes de provocar nossa própria curiosidade. Delegamos a ela o pensamento, quando deveríamos usá-la como alavanca para explorar o novo, e não como muleta para evitar o esforço da reflexão.
UM PASSO ATRÁS, DOIS À FRENTE
Não defendo aqui uma rejeição à tecnologia, mas sim uma reconexão com o que nos torna líderes relevantes: o uso e a valorização de tempo de qualidade para pensar. O olhar demorado. O aprendizado contínuo.
Quanto mais amplo o nosso repertório – interesse pela história, pela arte, pela música – maior a destreza de formulação de um pensamento “lateral”, não óbvio.
Tudo aquilo que não é comum à nossa atividade fomenta a capacidade de enxergar o todo, de dialogar com o coletivo, de agir com propósito, e de transformar. O país precisa de líderes intelectualmente inquietos, culturalmente instigados e socialmente conscientes, não apenas eficientes.
A verdadeira revolução da liderança não virá da velocidade, mas da lucidez. Precisamos desacelerar para enxergar melhor, silenciar para ouvir, conectar para inovar e resgatar a humanidade essencial em cada decisão que tomamos.
Tenho exercitado esse olhar todos os dias e convido outros CEOs a fazerem o mesmo: dar um passo atrás, para então avançar dois à frente – com mais profundidade, propósito e impacto.
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